DEBRET (PARTE 2)


Viagem pitoresca e histórica ao Brasil

Em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, Debret revela sua profunda relação pessoal e emocional com o país, adquirida nos 15 anos em que ali viveu.
Jean-Baptiste Debret: guerreiro indígena a cavalo.
Apesar de ter alegado motivos de saúde para retornar à França, há outras duas hipóteses para sua volta: deveria talvez querer o retorno para se reencontrar com familiares, além de organizar o primeiro volume de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Outra hipótese sugere que, como em 1831 tinha 63 anos, sua obra seria uma espécie de "trabalho para aposentadoria", visto que uma tal produção (almanaques de viajantes - livros com textos acompanhando imagens) fazia bastante sucesso no início do século XIX - quando Debret partiu para o Brasil - e poderia render uma boa aposentadoria (o que de qualquer forma não foi o que acabou acontecendo: quando da volta à França, esse tipo de publicação já não fazia o mesmo sucesso e a obra causou pouco impacto na França).
Jean-Baptiste Debret: castigo de escravo.
Debret tenta mostrar aos leitores - em especial europeus - um panorama que extrapolasse a simples visão de um país exótico e interessante apenas do ponto de vista da história natural. Mais do que isso, tentou criar uma obra histórica; mostrar com detalhes e minuciosos cuidados a formação - especialmente no sentido cultural - do povo e da nação brasileira; procurou resgatar particularidades do país e do povo, na tentativa de representar e preservar o passado do povo, não se limitando apenas a questões políticas, mas também a religião, cultura e costumes dos homens no Brasil.
Por estas razões, a obra de Debret é considerada grande contribuição para o Brasil, e é freqüentemente analisada por historiadores como uma representação (um tanto quanto realista, apesar de não ser perfeita) do cotidiano e sociedade do Brasil – em especial, da vida no Rio de Janeiro – de meados do século XIX.
Publicada em Paris, entre 1834 e 1839, sob o título Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, ou séjour d´un artiste française au Brésil, depuis 1816 jusqu´en en 1831 inclusivement, a obra é composta de 153 pranchas, acompanhadas de textos que elucidam cada retrato.
Tal estilo de obra (textos descritivos acompanhando as imagens) não era muito comum entre os artistas que vinham ao Brasil para retratar o país, o que aumenta ainda mais o destaque e importância de Debret: a obra não é considerada tão importante apenas por aspectos artísticos, mas justamente pela combinação de interesse em retratar o cotidiano, com a presença de textos descrevendo aslitografias. Preocupando-se com o sentido dos textos, Debret os compara com as ilustrações contidas em seus trabalhos, e é por isso que o aspecto historiográfico é colocado em primeiro plano em relação ao aspecto propriamente artístico.
O próprio título da obra de Debret apresenta este certo compromisso que ele tentou adquirir nas representações e descrições do Brasil. O uso da palavra “pitoresca” no título Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil denota uma certa precisão, habilidade e talento; características que buscou em suas representações. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil pode ser considerada uma obra em estilo europeu, feita para europeus, visto que o estilo de livro (almanaque) fazia um certo sucesso na Europa na época.
O livro é dividido em 3 tomos: no primeiro de 1834 estão representados índios, aspectos da mata brasileira e da vegetação nativa em geral. O segundo tomo, de 1835, concentra-se na representação dos escravos negros, no pequeno trabalho urbano, nos trabalhadores e nas práticas agrícolas da época. Já o tomo terceiro, de 1839, trata de cenas do cotidiano, das manifestações culturais, como as festas e as tradições populares.

Neoclassicismo, Romantismo e a obra de Debret

Apesar de ser um artista de formação neoclássica – seu tutor foi o mestre do neoclassicismo, Jacques-Louis David[6] – Debret (ao menos ao se analisar sua produção emViagem Pitoresca a Histórica ao Brasil), em alguns aspectos, pode ser considerado um artista de transição entre o neoclassicismo e o romantismo.
As representações dos índios – totalmente idealizados; fortes, com traços bem definidos e em cenas heróicas – são aspectos claros do neoclassicismo. Contudo, ao se analisar os textos que acompanham as imagens, são notados aspectos não neoclássicos, mas românticos. O romantismo tem como características a oposição ao racionalismo e ao rigor neoclássico. Caracteriza-se por defender a liberdade de criação e privilegiar a emoção. As obras românticas valorizam o individualismo, o sofrimento amoroso, a religiosidade cristã, a natureza, os temas nacionais e o passado. Além disso, uma característica essencial do romantismo – que o diferencia do neoclassicismo -, característica esta, notada nos textos de Debret, é a relação que o artista estabelece com as cenas que representa: o neoclássico é apenas um espelho do que observa, tentando fazer uma representação exata, daquilo que vê. Já o romântico, tenta "jogar uma luz" no que observa – o romântico faz uma interpretação daquilo que observa, e é justamente isto que Debret faz nos textos que acompanham as aquarelas: interpretações. Nas aquarelas, Debret era o “espelho” do que observava: este é o Debret com princípios neoclássicos. Nos textos, ele jogava uma luz e interpretava o que via: este é o Debret com princípios românticos.
Suas aquarelas pitorescas possuem o caráter típico das representações feitas por viajantes em busca de paisagens e de exotismo, mas sua arte oficial conserva o caráter solene do neoclassicismo próprio do grupo de artistas da França napoleônica.
Diz um crítico de arte francês: « L’importance majeure de l’oeuvre de Debret, outre la valeur d’un enseignement qui allait bientôt porter ses fruits, résida paradoxalement dans sa capacité d’enregistrer cela même qui était sur le point de disparaître. Ce qui n’a pas empêché le peintre d’histoire de mettre en scène deux couronnements et de représenter dans ses aquarelles la première cour d’une dynastie américaine. » Ou seja: «A maior importância de sua obra, além do valor de um ensino que logo daria frutos, residiu paradoxalmente em sua capacidade de registrar o que estava prestes a desaparecer. O que não impediu o pintor de História de pôr em cena duas coroações e de representar em suas aquarelas a primeira corte de uma dinastia americana.»

Debret, Diderot e o Iluminismo

Na obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, pode ser observada uma forte influência do iluminismo francês, principalmente daEnciclopédia de Denis Diderot, pois Debret não se prende apenas à representação de batalhas, cenas importantes e feitos grandiosos do país. Debret, como já dito anteriormente, representa cenas e características do cotidiano e da sociedade brasileira, como casas, ocas de índios, rostos de pessoas (para tentar mostrar as características do povo brasileiro). Ele procura representar o caráter do povo; seus costumes, festas populares (e da corte), relações de trabalho e utensílios e ferramentas utilizadas pelo povo. Essa proposta de certa forma enciclopédica, de conseguir acumular em livros o máximo de informação e conhecimento acerca de determinado assunto, faz parte dos ideais de diversos iluministas da França do final do século XVIII e início do século XIX – entre eles, o caso mais famoso talvez seja o de Diderot e sua Enciclopédia (l'Encyclopédie, no original), obra que com certeza inspirou Debret acerca de suas representações do Brasil em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.

Debret: plagiador?

Autorretrato em aquarela, numa estalagem (1816).
No tomo I de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, dentre as inúmeras representações de indígenas, algumas chamam a atenção: eles são representados com pintura corporais muito semelhantes (para não dizer idênticas) às de uma imagem de índios de uma tribo de índios norte-americanos, presente em uma publicação sob o título de Voyages and travels en various parts of the world: during the years 1803, 1804, 1805, 1806, and 1807, feita décadas antes deViagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, pelo naturalista da antiga PrússiaGeorg Heinrich von Langsdorff.
A semelhança da pintura de Debret, intitulada Dança de Selvagens da Missão de São José, com a de Langsdorff, intitulada Uma Dança Indígena na Missão de São José em Nova Califórnia é tal que chega a levantar a dúvida entre alguns historiadores: Debret realmente viajou pelo Brasil, como é comumente afirmado, ou teria permanecido apenas nas imediações da cidade de Rio de Janeiro? alguns pesquisadores afirmam que tal hipótese seria verdadeira, e as representações de índios feitas por Debret – como supostamente a citada neste caso comparado com Langsdorff – seriam cópias de representações de outros europeus que participaram de expedições naturalistas. Para reforçar ainda mais esta hipótese, deve-se levar em consideração que muitos utensílios e ferramentas representadas por Debret, já se encontravam em museus de História Natural da época; locais que ele poderia ter visitado sem problema algum.

Apreciação

Segundo comenta a «Brasiliana da Biblioteca Nacional», página 87, sua obra não possui o sentido tipológico ou científico deRugendas. Enquanto este se preocupa com a descrição dos tipos de escravos, identificando sua tribo de origem pela tatuagem, corte de cabelo, uso de jóias ou fisionomia, Debret gosta de mostrar os negros em situações particulares. É o caso em que representa um negro feiticeiro (1828): trajando uniforme militar, de casaca, laço no pescoço, chapéu e peruca, sabre, meias e sapatos, esse negro traça com o bastão que segura um círculo no chão. Mas o que chama a atenção nesse pequeno estudo´(...) é «a junção, a um só tempo estranha e natural, dessas situações, impedindo que este fosse apenas mais um dado no processo de classificação de pessoas e costumes brasileiros oitocentistas.»

Encontro em Paris

Diz um livro francês: «Après son abdication, D. Pedro 1er et Debret se rencontrèrent par hasard au coin d’une rue de Paris. L’ancien empereur et son peintre d’histoire, le protagoniste et le metteur en scène de l’Empire du Brésil, y auraient fait échange de politesses. Le premier aurait civilement offert sa maison de Paris à l’artiste qu’il avait naguère décoré de l’Ordre du Christ en le traitant d’homme vertueux.» O que se traduz - «Depois da abdicação, D. Pedro I e Debret se encontaram por acaso numa esquina em Paris. O antigo imperador e seu pintor de História, o protagonista e o ´decorador´ do Império do Brasil, trocaram gentilezas. O primeiro, civilmente, ofereceu sua casa em Paris ao artista que antigamente condecorara com a Ordem Militar de Cristo e a quem chamara homem virtuoso

Pinturas de Debret

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