AUSTRÁLIA SELVAGEM (CONTINUAÇÃO)

Cangurus
O maior réptil do mundo é o crocodilo de água salgada. O legítimo representante do lado selvagem da Austrália pode medir até cinco metros e pesar mais de 500 quilos. Não há como não ter medo de um bicho assim. 

Mas a maioria dos animais da Austrália não tem cara de poucos amigos. Os mamíferos, por exemplo, formam uma coleção particular. Alguns são muito estranhos, como o ornitorrinco: tem bico de pato, corpo de lontra, cauda de castor, bota ovo e é mamífero. 

Do total de mamíferos, 83% são endêmicos, ou seja, só existem no país. E a grande maioria é de marsupiais: animais em que os filhotes nascem ainda embriões e se desenvolvem em bolsas chamadas marsúpios. O mais conhecido é o canguru. 

Na verdade, cerca de 60 animais semelhantes podem ser chamados de cangurus. O maior é o canguru-vermelho. E um dos mais raros é um minicanguru, só avistado à noite, na floresta fechada: o pademelon - um wallaby, como são chamados os cangurus pequenos. 

O conservacionista John Chambers acompanha essa espécie há mais dez anos e conta que os pademelons dependem totalmente da floresta para viver. Em campos abertos, eles seriam facilmente predados por águias. Por isso, só vivem nessa região. 

Olhos da noite
Com faroletes, é possível caminhar observando o alto das árvores. E vem a certeza: os seres humanos é que são observados. Na Austrália não existem macacos. Mas, à noite, percebe-se que as arvores têm muitos moradores.

Na escuridão, encontramos os olhos da noite. Alguns são surpreendentes, como o chamado lemuróide, uma das espécies animais mais antigas do planeta. Fósseis desse bicho com 25 milhões de anos já foram encontrados. 

Das 20 espécies de marsupiais das árvores que vivem na Austrália, 12 vivem na mesma floresta. São gambás, bichos difíceis de se avistar, justamente por terem hábitos noturnos. A exceção é outro bicho, que parece um macaco, mas é o canguru das árvores. Ele também se alimenta durante a noite, mas não consegue se esconder durante o dia. Chama atenção por causa da cauda, que chega medir 1,2 metro.

Seja o da árvore ou os de terra, os simpáticos cangurus, bem visíveis à luz do dia, simbolizam a fauna da Austrália.

Coala, o mascote
Além do canguru, existe outro animal, com jeito de amigão, que aos poucos está se tornando o mascote da Austrália. Magnetic Island é um pequena ilha em frente à cidade de Townsville, nordeste do país. Os coalas vivem numa área bastante preservada. 

O problema é que o animal é raro e, como dorme cerca de 20 horas por dia, se movimenta muito pouco, tornando difícil a visualização de um deles entre tantos galhos e folhas. Além disso, o coala tem uma capacidade grande de se camuflar junto ao tronco dos eucaliptos. 

É como procurar agulha num palheiro. Centenas de espécies de eucaliptos criam um emaranhado de galhos. Na ilha, a estimativa é de que existam 200 deles. 
Diz o ditado: "Quem não sabe o que procura, vê, mas não acha". A equipe do Terra da Gente estava procurando algo parecido com uma bola de pelos cinza grudada a um tronco. Apesar de ser um animal de tamanho médio, no meio de tantos galhos e folhas, numa paisagem meio cinza, em virtude do clima muito seco, não foi muito fácil encontrar um coala. 

E outro ditado se mostra verdadeiro: "Quem procura, acha". A equipe acabou encontrando um animal bem no alto de um eucalipto de galhos claros. Apesar do pêlo denso, os coalas não se importam com o sol e, por incrível que pareça, não bebem água. Retiram das folhas de eucaliptos a água e os nutrientes que necessitam. 

Fofinho, mas ameaçado
"Na Austrália, existem cerca de 600 espécies de eucaliptos, mas o coala seleciona poucas espécies para se alimentar. Em geral, as folhas de eucalipto são muito tóxicas. Para não acabar intoxicado, o coala tem que ser muito sábio na sua escolha. Dormir muito é um problema do metabolismo dele em relação à dieta. Ele se alimenta de algo tóxico, que faz mal. Por isso, leva muito tempo para digerir. 

O coala se tornou tão raro porque foi muito caçado, principalmente no começo do Século 20, por causa da sua pele, que era exportada para os Estados Unidos e para a Inglaterra", explica o biólogo João Paulo Krajewski. 

Em toda a Austrália, apenas em três locais ainda é possível encontrar coalas soltos na natureza. É uma espécie considerada ameaçada. Por isso, em diversos parques e zoológicos, a ordem é reproduzi-los. 

Assim como o canguru, o coala é um marsupial. Só depois de crescido é possível ver mães carregando o filhote grudado ao corpo. Com certeza, é um belo mascote para a vida selvagem de um país. 

O guarda de um parque diz que 30 filhotes nasceram no local nos últimos 20 anos. Ele explica que, apesar da reprodução em cativeiro, não existem programas de reintrodução na natureza, pois há poucas áreas seguras. O coala pode ser um mascote, mas é também um símbolo da fragilidade da vida selvagem.

Pássaro que mia
A 700 metros de altitude, fica uma região conhecida como Tableland. Uma área de floresta tropical, semelhante à Mata Atlântica e à Floresta Amazônica: é úmida e fechada. Mas as semelhanças terminam aí. Os habitantes são bem diferentes. As formas de vida animal nessa terra evoluíram isoladas do resto do mundo. 

O guia Jonathan Munro, um naturalista inglês, leva os visitantes por caminhos que ele conhece bem. Já viu a maioria dos bichos da região e sabe onde encontrá-los. Mas a sensação é de estar descobrindo um mundo novo. Afinal, a maioria dos animais não existe em outro lugar. 

A cada encontro com os moradores da selva, a pausa é obrigatória para a observação e - por que não dizer? - contemplação. Como olhar rapidamente uma espécie como o papagaio-rei? Não basta olhar. É preciso admirar. 

Na região não existem felinos. O pássaro-gato, com certeza, já enganou muitos visitantes. Tanto que ganhou o nome do bichano. 

Outra ave é uma grande imitadora. Quanto mais sons o macho imitar maior a chance de atrair a fêmea. E ele ainda enfeita o solo embaixo da árvore onde canta com folhas bem verdes, com o mesmo objetivo. 

O arquiteto da floresta 
Um pássaro-gato e outro imitador são curiosidades pequenas se comparados ao satin-azul. É um arquiteto da floresta: passa o dia se dedicando a construir uma estrutura em forma de "u". Coloca pequenos galhos secos com muita habilidade. Usa a própria saliva para fixá-los. Mais um graveto aqui, uma outra arrumadinha ali. Tudo precisa estar perfeito. Parece sempre haver algo para ser melhorado. E, ao contrário do que pode se pensar, o pássaro não faz um ninho. Justamente por isso é que os pesquisadores ficam fascinados com ele. 

Na verdade, o satin-azul constrói a estrutura e cuida dela com muito carinho com um só objetivo: criar um lugar aconchegante para atrair fêmeas para reprodução. No fundo da estrutura, ele coloca líquen e, ao redor da área, enfeites azuis. Tem de tudo: fitas, papel de bala, embalagens, prendedores. Mas tudo tem um lugar certo. Assim que chega, o pássaro imediatamente espalha os novos enfeites pela área. Só ele sabe como deixar tudo mais bonito.

Acima dos mil metros de altitude, o menor dos pássaros-arquitetos é responsável pela maior construção. O pássaro-dourado enfeita a estrutura com líquen e flores amarelas. E passa o dia chamando por uma parceira, que este ano ainda não apareceu. O guia Jonathan Munro conta que a estrutura é reformada há mais de 20 anos. Provavelmente, diversos pássaros já a utilizaram. 

Ave-do-paraíso 
Essas são aves de comportamentos únicos. Mas, quando perguntado sobre qual ave é a mais bonita, Jonathan Munro tem a resposta na ponta da língua: o pássaro-rifle, uma ave ainda mais rara, outra espécie que só existe na Austrália e é considerada uma das mais lindas do mundo. É uma das três espécies de aves-do-paraíso que ocorrem no país. 

Pode parecer difícil a missão de encontrar uma ave rara numa floresta fechada, mas, no caso do pássaro-rifle, duas coisas facilitam. A primeira é o som forte que o macho emite para atrair a fêmea. E a segunda é que é preciso encontrar um tronco quebrado. Normalmente, essa ave-do-paraíso utiliza o topo do tronco como palco de apresentação. 

Não demora e um som forte revela a ave do paraíso. Mais parece um grito, que rompe o silêncio da manhã úmida na floresta. É um chamado pela fêmea e um aviso de que o território já tem dono. 

Seguindo os gritos da mesma ave, são localizados três palcos numa área de cerca de 500 metros quadrados. À primeira vista, ninguém se impressiona. A ave-do-paraíso parece ter uma só cor. Mas, na verdade, ela esconde as cores. E conforme a luz do sol penetra na mata, mostra aos poucos a iridescência da plumagem. Parece ter luz própria. 

Show do acasalamento
A cada grito de chamado, a ave eriça as penas querendo parecer maior. Se a fêmea não dá sinal de vida, é hora de cuidar da plumagem e se preparar para o momento do encontro. 

De repente, uma fêmea passa rapidamente. O artista ameaça se apresentar. Uma, duas, várias vezes. Quando a fêmea pousa perto, começa o show. É um ritual de sedução. Toda beleza tem que ser exibida. E cada apresentação dura até dois minutos. Não foi dessa vez. Melhor tentar a sorte em outro palco. 

A equipe do Terra da Gente acompanhou essa ave-do-paraíso durante três dias. Normalmente, na área em que um macho se apresenta existem de dez a doze fêmeas. E, apesar de ele ter se exibido bastante, nenhuma delas se encantou pelas asas dele. À equipe, só restava esperar e manter a vigilância, já que o macho pode ser até bem mais bonito, mas é a fêmea quem decide a hora do acasalamento. 

Mais duas exibições... e nada. No quarto dia, bem cedo, o sedutor, amanheceu inspirado. Na segunda apresentação, a fêmea não resistiu e entrou no palco. No ritual de sedução, o macho estica as asas e realiza movimentos num ritmo acelerado. E a paixão é tanta que ele parece perder a cabeça. É uma das cenas de amor mais bonitas da floresta. Com certeza, se perpetuou mais uma vez.

Batalha das brolgas
A primavera enche o céu da costa leste australiana. O movimento de aves migratórias é intenso. As maiores são as brolgas, aves que medem quase 1,5 metro e formam grandes bandos. Aproveitam a colheita em fazendas e se alimentam do que restou. De olho nas aves viajantes estão as aves de rapina. Nesta época, se reproduzem e precisam de alimento para os filhotes. 

A calma em um pequeno alagado é apenas aparente. No céu, duas caçadoras espreitam a mesma presa. O confronto é inevitável. Vence a que tem as asas e garras mais fortes. 

E a vida selvagem desconhece limites urbanos. Com 150 mil habitantes, Townsville é uma cidade de porte médio. Do alto, chama atenção a ausência de prédios e a grande quantidade de árvores. 

Se no mar e na floresta australiana a vida se mostra diversa e colorida, nas cidades não é diferente. A quantidade de aves surpreende. A primavera é a época em que as aves ficam com a plumagem bem colorida, para o período de acasalamento. Mas essa história começa em preto e branco. As duas maiores espécies de cacatua estão por toda parte. 

A maior delas é a cacatua-negra, de cauda vermelha. O macho é maior, quase totalmente preto. A fêmea tem o bico branco e a plumagem cheia de pintas douradas. Usam os bicos poderosos para triturar sementes caídas num gramado no porto da cidade. 

Casa e comida
Não muito longe, na margem esquerda do Rio Ross, um bando de cacatuas-brancas faz a última refeição do dia. São aves divertidas e bem mansas. Mas a chegada de um bando de cacatuas-sangue parece irritar um dos machos. Nervoso, ele fica ainda mais bonito eriçando as penas amarelas da crista. 

Na época de reprodução, os ninhos estão espalhados por todas as partes. Às vezes, ficam bem escondidos no alto de uma palmeira. Não o suficiente para uma câmera curiosa. 

Outros ninhos são mais delicados. No de pássaros-do-sol, a fêmea se encarrega da construção sozinha. O macho só observa. Esses passarinhos substituem os beija-flores, que só vivem nas Américas. Se alimentam de néctar e são responsáveis pela polinização de muitas plantas. 

Néctar e pequenas frutas são o prato principal de dezenas de aves da Austrália chamadas de "honeyeaters": os comedores-de-mel. E uma das aves que mais adoram néctar é da família dos papagaios: o periquito-arco-íris. 

É uma das mais coloridas aves australianas. Vivem aos milhões na costa leste do país. E, apesar de comuns, não há quem não admire tanta beleza. São malabaristas das árvores. Onde estiver uma flor, esses periquitos dão um jeito de chegar e saborear o néctar.

Raposa-de-óculos-voadora
Uma cidade cheia de árvores, com certeza, atrai muitas aves coloridas. Mas em Cairns, norte da Austrália, existe um outro bicho que voa e convive lado a lado com as pessoas. Ao caminhar por uma praça, ninguém se espanta ao encontrar uma árvore cheia de raposas-voadoras. 

A segunda maior espécie de morcego do país é chamada de raposa-de-óculos-voadora e mede quase 30 centímetros. E, de cabeça para baixo, namoram, acasalam, alimentam os filhotes e se abanam o tempo todo para suportar o sol forte. Essa espécie é considerada ameaçada justamente por se alimentar de frutas. 

O naturalista inglês Jonathan Munro conta que na área rural é comum produtores construírem armadilhas que matam eletrificados esses morcegos. Nas cidades, eles estão protegidos. Na época de reprodução, a árvore transformada em maternidade de morcegos tem até uma placa pedindo que avisem caso algum filhote seja encontrado no chão, já que só com três meses de idade os filhotes conseguem se alimentar sozinhos.

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